1.30.2008





As receitas da velha Maria Augusta

Cozinhava Maria Augusta, mulher trigueira e calada,
Ela não era pessoa justa, interesseira e avarenta,
Passava os dias defronte de uma panela enferrujada,
Com a colher de pau mexia uma mistela bem nojenta.

Era obesa e desgrenhada, tomava conta da pensão
Mais reles, longe da estrada que indicava a velha aldeia,
Era por todos considerada feio monstro sem coração,
Mas a par disso contava com a casa sempre cheia.

Algo estranho se passava, e agitava os populares,
Toda a santa noite soava um som gemido de agonia,
Daquelas paredes brotavam coisas bastante invulgares,
E não tardou a lá ir um inspector sem cortesia.

- Ora vamos lá a saber o que aqui se passa afinal!
- Tenho o almoço a ferver, não vou tirar o avental!
- Faça o que tem a fazer, vou começar aqui no hall.
- Veja o que tem a ver, mas não verá nada anormal.

E cozinhava a velha Augusta, com a panela fumegante,
O inspector à sua custa, fuçava em tudo o que era canto,
Com cuidado para não espantar o habitual viajante,
Que costumava pernoitar nos escuros quartos sem encanto.

O rude guarda, persistente, virava tudo ao contrário,
Nenhum insecto repelente o afastava da missão,
Já Maria Augusta, indiferente, procurava num armário,
Uma mirrada semente para temperar a poção.

Tocava o cuco as doze horas, anunciando o meio dia,
O pobre homem sem demoras descia a escada para ir,
E iria de certo embora e quase nem se despedia
Da velha Augusta que na sala o almoço ia servir.

Duas dúzias de pessoas, juntas à mesa para comer,
Tinha apetite o inspector e perguntou assim para o ar:
- Será que há para mais um, o que naquela panela houver?
Disseram sim todos em coro e disseram para se sentar.

“É curioso e tem piada…”, pois podia jurar que contara
Muito maior número de quartos do que hóspedes ali sentados,
E isso era coisa bizarra porque nos quartos encontrara
Malas, roupas e pertences, livros, cartas e recados.

Ao olhar para o meio do fumo, que emanava do seu prato,
O inspector ficou sem rumo, meio tonto e enjoado,
Quis procurar Maria Augusta, detê-la ali de imediato,
Mas uma mão forte e robusta trouxe-lhe o fim já esperado.

E logo à noite, longe da estrada, haverá sopa para o jantar,
Grande e negra panelada, Augusta mexe com vigor,
Para que não fique aguada, há que saber apurar
E desfazer à colherada a carne do pobre inspector.

André Oliveira